SCHOLZ É ELEITO NOVO CHANCELER ALEMÃO E ENCERRA ERA MERKEL

Dez 9, 2021

Parlamento oficializa sucessão. Social-democrata vai liderar governo de coalizão com verdes e liberais e assume em momento de crise, com quarta onda da pandemia castigando o país. Merkel deixa o poder após 16 anos.

O Parlamento alemão (Bundestag) elegeu oficialmente nesta quarta-feira (08/12) o social-democrata Olaf Scholz como o novo chanceler federal do país, encerrando os 16 anos de governo da conservadora Angela Merkel.

Scholz recebeu 395 votos dos 707 deputados presentes (mais do que os 369 necessários), num pleito que já tinha resultado conhecido de antemão. Ele recebeu 303 votos contrários, e houve seis abstenções. 

Em seguida, o presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, nomeou Scholz como chefe de governo. Com a entrega da certidão de nomeação, o poder foi oficialmente transferido de Merkel para seu sucessor.

O próximo passo foi a passagem do cargo de Merkel para Scholz. A agora ex-chanceler federal afirmou que seu sucessor deve saber que tem diante de si uma tarefa empolgante e gratificante, mas também exigente. “Mas se for feita com alegria, então talvez seja também uma das mais belas tarefas que existem para assumir responsabilidades por este país”, disse.

Scholz, por sua vez, elogiou a atuação política de Merkel, destacando que juntos eles superaram várias crises, incluindo a financeira de 2008/2009 e a crise dos refugiados em 2015. A confiança que sempre existiu no trabalho entre eles mostrou que “somos uma democracia forte e eficiente, na qual há um grande consenso entre democratas responsáveis”.

Antes de ascender à Chancelaria, Scholz, de 63 anos, foi Ministro das Finanças e vice-chanceler no quarto mandato de Merkel, quando o Partido Social-Democrata (SPD) foi o parceiro minoritário em uma coalizão liderada pela União Democrata-Cristã (CDU) da antiga chanceler. Nas eleições federais de setembro, os papéis se inverteram, e o SPD foi o partido mais votado, com 25,7%, à frente da CDU, que ficou com 24,1%.

Merkel não havia concorrido a um novo mandato e o SPD decidiu formar uma nova coalizão com o Partido Verde e o Partido Liberal Democrático (FDP, na sigla em alemão), que ficaram em terceiro e quarto lugar, respectivamente. Social-democratas e verdes já governaram juntos entre 1998 e 2005. Já os liberais foram parceiros do SPD nos anos 1970 e início dos 1980.

No sistema alemão, um governo que pretende ser estável precisa contar com mais de 50% dos deputados do Bundestag. Como raramente um partido consegue sozinho essa marca, entra a costura de coalizões. O governo liderado por Scholz terá uma característica inédita em mais de seis décadas: será a primeira vez desde o final dos anos 1950 que um governo alemão será formado por uma coalizão com mais de dois partidos.

A equipe

O primeiro governo liderado pela centro-esquerda em 16 anos também será o primeiro com um ministério distribuído igualmente entre mulheres e homens no país.

Seguindo uma promessa de campanha de Scholz, oito pastas serão ocupadas por mulheres, e oito, por homens. O percentual de mulheres no comando de ministérios, de 50%, é o maior da história da Alemanha.

O vice-chanceler será o copresidente do Partido Verde Robert Habeck, de 52 anos, que assumirá também um superministério da Economia e Clima.

Já o Partido Liberal Democrático ficará com o mais poderoso dos ministérios do governo alemão, o das Finanças, que será comandado pelo presidente da sigla, Christian Lindner, de 42 anos. Ele deverá dar continuidade a uma política de austeridade fiscal, sem aumento de impostos.

O ministério do Interior será liderado pela primeira vez por uma mulher, a também social-democrata Nancy Faeser, de 51 anos. Candidata do Partido Verde para a Chancelaria Federal nas eleições de setembro, a copresidente do Partido Verde Annalena Baerbock ficou com a pasta do Exterior.

A idade média do novo chanceler federal e de seus 16 ministros e ministras é de 50,4 anos –  menor do que as médias de todos os inícios de legislatura dos quatro governos anteriores, liderados por Merkel. O mandato mais recente de Merkel teve uma média de idade de 51,4 anos.

Aos 63 anos, o mais velho do governo é o próprio Scholz. As ministras mais jovens são as verdes Baerbock e Anne Spiegel (à frente da pasta da Família), que fazem aniversário no mesmo dia e completarão 41 anos em 15 de dezembro.

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Os desafios

O novo governo alemão assume em um momento extremamente delicado, com a quarta onda da pandemia pressionando o sistema de saúde de diversos estados do país e com seguidos recordes de novas infecções.

O SPD nomeou o deputado e epidemiologista Karl Lauterbach como ministro da Saúde. Lauterbach se tornou uma figura conhecida durante a pandemia, defendendo a vacinação e a imposição de lockdowns em diversas entrevistas. Ele também já defendeu tornar a vacina obrigatória e restringir ainda mais a locomoção dos não vacinados. No momento, apenas 69,1% da população está totalmente vacinada.

Scholz já manifestou ser favorável a uma obrigatoriedade, e o novo governo deve começar a impor a exigência para trabalhadores da área da saúde e funcionários de lares de idosos, que terão até março para estarem totalmente imunizados. A pandemia “vai exigir toda a nossa força e energia”, afirmou Scholz na terça-feira.

No plano externo, Scholz também terá que lidar com as recentes ações da Rússia para desestabilizar a Ucrânia. Nesta terça-feira, ele já havia exortado a Rússia a respeitar a integridade da fronteira ucraniana e descreveu a situação criada pela movimentação de tropas russas como “muito grave”.

“Para nós, a inviolabilidade das fronteiras é inquestionável”, disse Scholz na sua primeira conferência de imprensa depois da assinatura, em Berlim, do acordo de coligação entre SPD (sociais-democratas), verdes e os liberais do FDP.

No plano interno, o novo governo alemão terá que lidar com as cobranças crescentes para que o país faça mais para a proteção climática, especialmente na transição para uma matriz energética mais limpa. Também estão na pauta o combate ao extremismo de direita, especialmente no seio das forças de segurança, a modernização da infraestrutura na Alemanha e o combate à desigualdade.

Scholz ainda tem um desafio pessoal adicional: assumir o mesmo papel de liderança na Europa que Merkel interpretou com destreza por 16 anos. A agora ex-chanceler federal marcou a história recente do bloco europeu com seus esforços para manter a coesão da UE em meio a recorrentes crises nos últimos anos. Analistas apontam que, até Scholz consolidar seu poder, é provável que outros líderes europeus, como o presidente francês, Emmanuel Macron, enxerguem uma oportunidade para assumir papéis mais assertivos de liderança, aproveitando o vácuo deixado por Merkel.

O relacionamento franco-alemão, considerado o motor da unidade europeia, também deve continuar a ser uma prioridade para o novo governo. A primeira viagem oficial de Scholz deve ocorrer ainda nesta semana. O destino: Paris.

Os planos

A nova coalizão de governo expôs seus planos de governo em um documento de 177 páginas, divulgado no fim de novembro. As diretrizes buscaram um compromisso entre os três partidos, que exibem concordância em muitas questões sociais, mas divergem mais na área econômica.

O acordo prevê mudanças significativas na política ambiental da Alemanha e aborda problemas persistentes do país, como o envelhecimento da população alemã e a escassez de habitações.

Entre pontos de mais destaque estão a criação de um Ministério da Habitação e planos para construir 400 mil novos apartamentos por ano. Os partidos também concordaram em legalizar a maconha para fins recreativos, incluindo a venda em lojas autorizadas; baixar a idade mínima para votar de 18 para 16 anos; criar um sistema de imigração baseado em pontos para atrair trabalhadores qualificados; facilitar a obtenção da cidadania alemã; e aumentar o salário-mínimo para 12 euros por hora – hoje ele é de 9,60 euros.

O novo chanceler

Com 63 anos, Scholz exibe várias características similares às de Merkel: conhece as limitações da sua falta de carisma, preferindo ter como marca pessoal a eficiência e o pragmatismo. Experiente em lidar com crises, ele também é considerado um hábil negociador.  É muito raro que ele demonstre emoções. Mesmo em momentos de alegria, ele exibe a contenção de um mordomo britânico, como observou um jornalista. Já a revista Der Spiegel o classificou certa vez como a “encarnação do tédio na política”.

Como ministro das Finanças no governo Merkel, Scholz também ocupou uma boa posição para brilhar na crise causada pela pandemia de coronavírus: ele foi responsável por desembolsar bilhões de euros em fundos de emergência para ajudar a economia e os cidadãos do país.